10-06-2011 00:08
Memórias do seminarista Heráclio Felipe Barbosa
MEU PRIMEIRO DISCURSO DE IMPROVISO
"Quando eu tinha 16 anos, fui ensinar nas escolas paroquiais, para satisfazer o lema do Padre Jonas: "Quem sabe, ensina a quem não sabe". O seu grande desejo era acabar com anlfabetismo em João Alfredo e, para isso, pedia o empenho de todos.
Era um 15 de novembro do ano de 1951, dia da comemoração da Proclamação da Répública do Brasil, levei minha turma para um desfile cívico em João Afredo.
Imbuído de espírito patriótico, orgulhoso da turma que havia preparado para se apresentar na cidade, não contava com a diferença daqueles citadinos para os matutos de Brejinhos.
Sempre tive baixa estatura, ainda mais aos 16 anos, quando ainda não havia alcançado a minha altura final.
Quando o desfile começou, um grupo de anarquistas gritava em coro: "Professor rasteiro! Professor rasteiro! Eu não podia responder ao insulto, afinal estávamos em um momento solene, afora que estávamos cercados de autoridades, além da presença do Padre Jonas.
Um grande desgosto de apoderou de mim, por que haveria de aparecer aquele bando de mal educados para tirar o brilho do meu primeiro desfile como professor?
Terminamos o desfile e fomos ao prédio do cinema onde haveria a concentração das escolas. Entre os discursos de algumas das autoridades, ali presentes, incluindo o discurso do Padre Jonas, presidente da sessão solene e fundador das escolas paroquiais, franquearam a palavra.
Por três vezes disseram que quem dela quisesse fazer uso se apresentasse. Ninguém se habilitou.
Então, eu me levantei e me dirigi ao parlatório. Confesso que minha intenção era agradecer ao padre, fundador das escolas ali reunidas.
Mas ao passar pelo padre, ele falou em meus ouvidos:
- Discurso significa dizer o que sente.
A desgraça estava feita, tudo que meu pensamento não largava era: Professor rasteiro! Professor rasteiro!
E o que eu sentia naquele momento, era raiva, muita raiva daquela cambada que fizera coro para me xingar. Aí mudei completamente o foco do meu discurso. Sem querer, o padre havia de certa maneira concordado com os desaforos que eu guardara nos meus pensamentos em resposta àqueles mal educados que haviam me xingado em praça pública.
Abri o verbo iniciando mais ou menos assim:
"A zona rural sempre foi considerada como um lugar onde habita gente sem educação. Mas saibam que se se algum dia vocês fossem desfilar por lá, ninguém ousaria chamar nenhum professor de "Professor rasteiro" como vocês me chamaram.
O que vocês fizeram é coisa de gentalha, de mal educados e de invejosos, ou de despeitados, pois jamais seriam capazes de fazer melhor se estivessem em nosso lugar.
Rasteiros são vocês que não sabem respeitar os outros. Foi muito bom terem franqueado a palavra porque se eu precisava desabafar, mais ainda precisavam vocês de ouvir isso...
Tenho dito."
O padre olhava pra mim, olhava para os outros, não sabia o que fizesse. No meio do discurso eu já percebia a insatisfação dele. E aí, entre uma frase e outra, eu olhava para ele e percebia a expressão de quem comeu e não gostou, mas por outro lado criava coragem para ir adiante, quando pensava na frase que ele murmurou em meus ouvidos: "Discursar é dizer o que sente." Ora, e não era aquilo que eu estava sentindo? Então mandei brasa.
Pode ter sido constrangedor, mas foi um santo remédio, pois depois daquela comemoração muitas vieram, e nunca mais ninguém ousou de me chamar de Professor rasteiro!"
Professor Heráclio Felipe Barbosa
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Nota:
Para quem conhece o Professor Heráclio, principalmente aqueles que o escutam na Rádio Pedras Soltas, em Itapetim, deve saber como foi o discurso na íntegra, rssss
Eu não me esqueço da postura de meu pai, Antônio Piancó (in memoriam), quando o assunto era polêmico ele sempre dizia: "Esconde esse microfone que Heráclio tá chegando" rsss
Sua autenticidade vem de longe, jamais declinou da verdade, e seus discursos até o dia de hoje seguem a linha do Padre Jonas:
DISCURSAR É DIZER O QUE SENTE!